
Pouco provável que, ao imaginar suas Cidades Invisíveis em 1972, o italiano Italo Calvino tivesse algum vislumbre do que seriam os desafios de mobilidade nas metrópoles do século XXI. No entanto, todos os dias desejamos um local mais aprazível, fazemos planos para tal e os vemos cair por terra quase que no imediato instante em que começamos a colocá-los de pé.
Os Perigos da Carrocracia foram colocados em prova na discussão que o Esquina mobilizou com a participação de Joice Berth, Leticia Sabino e Fernando de Caires Barbosa, time* mediado por Marianne Wenzel. O que guardamos da conversa, você confere a seguir.
O termo CARROCRACIA foi cunhado pelo pesquisador baiano Marcelo de Troi e joga luz para o fato de que A CIDADE É MELHOR EM FUNÇÃO DAS PESSOAS. Favorecer o veículo particular em detrimento do público dificulta o ir e vir que é direito dos cidadãos. A arquiteta Joice Berth pontua que SÃO PAULO É UMA CIDADE COM A DESIGUALDADE DEMARCADA NO TERRITÓRIO. A periferia é tolhida porque o transporte individual tem privilégios no planejamento urbano.
Quando o tema da educação no trânsito surge, Leticia Sabino destaca que as campanhas costumam ser destinadas a quem caminha, população muito diversa; o regramento deveria ser para os veículos. O IDEAL É FAVORECER A FRUIÇÃO DE QUEM ESTÁ A PÉ, sem que nos esqueçamos que quem está dentro do carro é uma pessoa também. Não resta dúvida que A MOBILIDADE É ESTRUTURADORA DAS RELAÇÕES NO ESPAÇO DAS CIDADES.
Planejar a malha de transporte das cidades é uma ação que guarda o poder de CRIAR REDUTOS DE ABANDONO OU DE SUPERVALORIZAÇÃO. Dada a condição atual que temos, fica fácil perceber que as raízes da formação da cidade revelam OPRESSÃO, RACISMO E MISOGINIA. Ao notar que a periferia tem seu deslocamento quebrado, a relação que se percebe é a DE MANTER A SEGREGAÇÃO URBANA.
Se nos detivermos a dados numéricos, vale ressaltar que em 2022 o país investiu em transporte coletivo e de massa apenas 10% do que concedeu em subsídios tributários para o carro. A lógica fica mais cruel quando avaliamos que há diferença entre fazer uma POLÍTICA DE DESESTÍMULO AO CARRO X ESTÍMULO AO CAMINHAR. Outro dado que nos leva a uma reflexão surge quando pensamos no REGRAMENTO DAS CALÇADAS: O PODER PÚBLICO NÃO SE RESPONSABILIZA PELO LUGAR ONDE AS PESSOAS CAMINHAM.
O que mais podemos pleitear: O ESPAÇO VIÁRIO TEM TOPOGRAFIA ADEQUADA, DESAFIO QUE AS CALÇADAS NÃO CONSEGUEM CUMPRIR. Segundo Fernando de Caires, representante do poder público neste debate, uma ótima tática é ESTIMULAR AS PESSOAS A PRESSIONAREM O PODER PÚBLICO. Já Leticia Sabino tem descoberto iniciativas relevantes desde que criou o PRÊMIO CIDADES CAMINHÁVEIS e agora busca replicá-las para além de seus pontos de origem.
*O Esquina agradece mais uma vez aos debatedores, agora devidamente titulados a seguir:
Fernando de Caires Barbosa, secretário municipal de transportes de Campinas, é formado em Administração, Ciências Contábeis e Sistema de Informações, tem especialização em Planejamento e Mobilidade Urbana e mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis, ambos pela Universidade Nove de Julho. Já passou pela São Paulo Transporte (SPTrans), pela Secretaria de Mobilidade e Transportes da Prefeitura de São Paulo e pela União Internacional dos Transportes Públicos (UITP); Joice Berth, arquiteta e urbanista, assessora política, pesquisadora na área de direito à cidade, psicanalista e escritora. Ela acabou de lançar pela Paz e Terra o livro Se a Cidade Fosse Nossa. Inclusive tô com ele aqui pra pegar um autógrafo, Joice, e recomendo pra todo mundo a leitura do texto A Carrocracia e a Guerra ao Pedestre, que está aqui na publicação. Ela também é colunista e podcaster no programa Já Pensou; por fim, temos Leticia Sabino, que se define em primeiro lugar como caminhante. Ela é administradora de empresas pela FGV, com pós-graduação em Economia Criativa e Cidades Criativas e mestra em Planejamento de Cidades e Design Urbano pela University College London. Fundou e dirige o Instituto Caminhabilidade, organização liderada por mulheres que atua desde 2012 no desenvolvimento de cidades caminháveis por meio de metodologias participativas. Idealizou e mobilizou a Paulista Aberta, projeto que a gente mencionou no Esquina anterior, sobre As Cidades como Ponto de Encontro.
Agradecemos também ao Comunitas, parceiro sempre gentil, onde acontecem os debates.
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