É notório que o Brasil viveu um processo acelerado de urbanização nas últimas décadas. O país, que antes tinha um perfil rural, hoje tem sua população concentrada em áreas urbanas que representam uma parcela extremamente reduzida do território, mais precisamente 0,63% – segundo estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária– Embrapa.
As capitais estaduais, em sua grande maioria, expandiram suas manchas urbanas em uma escala tão expressiva que se conurbaram com os municípios vizinhos, originando uma só área urbana com complementaridade funcional. Formaram-se, portanto, as atuais Regiões Metropolitanas – RMs.
O valor do solo nas áreas centrais dessas metrópoles se valorizou de forma a expulsar a população de baixa renda para áreas periféricas e sem infraestrutura. Com a população morando cada vez mais longe do trabalho, apresenta-se um desafio quase insolúvel ao transporte público: a “missão” de transportar diariamente, em espaços reduzidos de tempo, milhões de pessoas em um movimento pendular no sentido da periferia ao centro e, posteriormente, do centro à periferia. É também um processo de desconcentração e segregação social já que a cidade tem por vocação a concentração de pessoas e oportunidades.
No interior, o cenário também se transformou radicalmente. A produção agrícola vem se mecanizando e utilizando cada vez menos mão de obra. O emprego migra do campo para modos de produção com perfil urbano. Este cenário, somado à saturação das capitais em receber novos migrantes, resultou no recente e intenso crescimento das cidades médias (entre 100 mil e 500 mil habitantes) que acabam reproduzindo, numa escala menor, o mesmo roteiro histórico ocorrido nas capitais. O crescimento populacional e a expansão urbana das cidades médias tem resultado nas chamadas Aglomerações Urbanas- AUs e até em Regiões Metropolitanas, como são os casos das RM Sorocaba e RM Campinas, situadas no interior de São Paulo.
Nestes casos, não basta planejar com uma visão municipalista. Os problemas agora são territoriais e transcendem a divisão política institucional que delimita os municípios. Nas aglomerações ou metrópoles, é comum pessoas morarem em um município e trabalharem em outro; assim como um rio poluído em uma cidade vai levar suas águas contaminadas ao território da cidade vizinha. Os problemas passam a ser regionais e as suas soluções também. O planejamento urbano contemporâneo precisa envolver todos os municípios considerados na definição de planos e ações que desenvolvam e combatam os problemas comuns das AUs e RMs.
Diante deste desafio, foi redigido e aprovado o Estatuto da Metrópole (Lei Federal nº 13.0890), sancionado em 2015 e modificado pela Medida Provisória nº 818, de 11 de janeiro de 2018. O Estatuto estabelece regras nacionais para o planejamento e a governança compartilhada das cidades que compõem regiões metropolitanas e aglomerações urbanas. Cabe aos Estados, porém, instituir as suas aglomerações e regiões metropolitanas, bem como promover uma governança interfederativa que viabilize a integração, o planejamento e a execução de Funções Públicas de Interesse Comum –FPICs às cidades contidas nas AUs e RMs.
No longo prazo, podemos esperar deste Estatuto um impacto positivo semelhante ao que ocorreu com o Estatuto das Cidades, que regulamenta o capítulo “Política Urbana” da Constituição Brasileira. A partir de 2001, com a aprovação do Estatuto das Cidades, se difundiu amplamente a necessidade do planejamento urbano municipal, por meio da exigência de que as cidades com mais de 20 mil habitantes formulem seus Planos Diretores.
O instrumento legal de planejamento territorial que o Estatuto da Metrópole prevê é o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado –PDUI. Ele estabelece as diretrizes, projetos e ações que devem orientar o desenvolvimento e o ordenamento territorial das Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas. É importante lembrar que, após sua aprovação, os municípios que integram estas unidades territoriais devem compatibilizar seus Planos Diretores Municipais às novas regras definidas no PDUI.
Inicialmente, o Estatuto estabeleceu um período de três anos para as RMs e AUs elaborarem seus PDUIs. Vencido o prazo, em 2018, ele precisou ser ampliado e mesmo assim, até o momento, o quadro não é positivo. Segundo levantamento do Fórum Nacional de Entidades Metropolitanas – FNEM – existem no país 69 Regiões Metropolitanas e 5 Aglomerados Urbanos (três no Estado de São Paulo e dois no Rio Grande do Sul). Deste total, 30 regiões já começaram a elaborar seus planos, sendo que destas, apenas seis finalizaram os seus PDUIs. São elas:
- Região Metropolitana da São Paulo – RMSP
- Região Metropolitana da Baixada Santista – RMBS
- Região Metropolitana do Rio de Janeiro – RMRJ
- Região Metropolitana do Vale do Aço – RMVA
- Região Metropolitana da Grande Vitória – RMGV
- Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá – RMVRC
No caso da Região Metropolitana de São Paulo, o processo de elaboração do PDUI-RMSP foi coordenado, entre 2015 e 2019, pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – Emplasa – empresa responsável pelo planejamento territorial no Governo do Estado de São Paulo. De forma inovadora e adequada, sua formulação ocorreu em processo participativo e articulado com os representantes dos 39 municípios da RMSP e da sociedade civil organizada, além dos órgãos estaduais e federais pertinentes.
O PDUI-RMSP estabeleceu o Ordenamento Territorial e as macrodiretrizes para a adoção de políticas públicas relacionadas às Funções Públicas de Interesse Comum definidas para a região, que são: Desenvolvimento Socioeconômico e Territorial; Habitação e Vulnerabilidade Social; Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos e Mobilidade, Transporte e Logística. Além do PDUI em si, está previsto um sistema permanente de acompanhamento e atualização do próprio conteúdo do Plano, o que faz dele um processo vivo, diferentemente dos planos tradicionais .
No último dia 24 de abril, o PDUI-RMSP foi aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento da RMSP. Superada esta etapa, cabe agora ao executivo estadual encaminhar o Plano, que vai na forma de um Projeto de Lei, para apreciação da Assembleia Legislativa. Espera-se que ainda em 2019 o planejamento de São Paulo tenha esse novo paradigma!
O fato de o Governo Estadual ter uma empresa com o perfil da Emplasa, viabilizou que o PDUI da RM de São Paulo pudesse ser pensado conjuntamente com os PDUIs das demais Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas paulistas. Os planos, portanto, são coordenados pela mesma equipe técnica e formam um conjunto a partir de peças (planos) que se complementam.
Concluído o processo de formulação dos PDUIs, tem-se um amplo leque de estratégias, projetos e ações para direcionar ordenadamente o desenvolvimento de toda a Macrometrópole Paulista. E a Emplasa, que liderou a formulação dos PDUIs paulistas, pode ser entendida como o grupo técnico que fornecerá o apoio necessário à governança, atualização permanente e implementação destes planos no Estado de São Paulo.
Fecharia, assim, uma estrutura tríplice de planejamento regional constituída por: governança interfederativa, Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado e Fundo de Financiamento. Esta estrutura é fundamental no processo de “gestão plena” do território metropolitano, bem como da implementação das ações previstas no PDUI, caso contrário há grande risco deste se transformar em mais um exemplo de plano que não sai do papel.