Inúmeros fatores explicam a formação desigual e precária das cidades brasileiras. Dentre eles, podemos destacar a especulação imobiliária, o desequilíbrio social, o crescimento vegetativo acelerado no século XX, o desrespeito ao planejamento urbano, e a baixa renda per capita do brasileiro. Além da influência destes fatores, existe outro aspecto que é reflexo e, ao mesmo tempo gerador de boa parte dos problemas das nossas grandes cidades: a concentração de centralidades.

Mesmo apresentando dimensões metropolitanas, as grandes cidades brasileiras ainda se estruturam em uma ou duas centralidades. No entorno de um núcleo central, as manchas urbanas se formaram crescendo indiscriminadamente em amplos territórios. Esta expansão resulta numa periferia de perfil predominantemente residencial, com pouca infraestrutura e dependente dos serviços e empregos existentes no núcleo central. A cidade se estrutura, portanto, numa dualidade centro e periferia, na qual o valor da terra é calculado principalmente em função da distância em que fica do centro.

Nesta dinâmica, a população carente é obrigada a ir morar cada vez mais distante do emprego, onde o custo do terreno é reduzido. Por outro lado, a elite se divide em dois grupos principais: a que ocupa um primeiro “anel” ao redor do centro –- morando em condomínios verticais ou bairros com casas muradas – e a que opta pelo ambiente “bucólico” e artificialmente seguro de condomínios horizontais.  Esses últimos, pela característica de “refúgio”, ficam situados longe do centro urbano.

Se somarmos a esse contexto o interesse que muitos prefeitos têm em expandir o perímetro urbano, com o objetivo de ampliar a área de arrecadação de IPTU, temos galopante espraiamento da mancha urbana.

O território urbano das cidades brasileiras que seguem este roteiro abrange áreas muito maiores do que o necessário, além de abrigar no seu interior vários terrenos subutilizados. É uma configuração antifuncional, que obriga o poder público a pulverizar seus poucos recursos em território agigantado.

As consequências nefastas desse processo podem ser encontradas em vários aspectos ou as ‘funções públicas de interesse comum’ – como se chama tecnicamente. Uma dessas está na mobilidade urbana. Numa cidade espraiada e com uma centralidade única, o transporte é forçado a promover diariamente um movimento pendular no sentido centro-periferia ou casa-trabalho. Uma missão hercúlea: transportar um grande número de usuários, por distâncias longas e em curtos espaços de tempo; tarefa que exige uma infraestrutura caríssima e que fica ociosa na maior parte do dia.

Na área de habitação a demanda por moradia permanece e é cada vez maior, em que pese o fato do poder público construir incessantemente novas unidades habitacionais. Além disso, tornou-se economicamente exorbitante construir onde realmente é necessário, ou seja, onde já existe infraestrutura adequada. Como as moradias no centro são financeiramente muito mais caras, o que se observa é o próprio governo financiando a expansão da periferia, muitas vezes sem implementar conjuntamente aos imóveis os equipamentos necessários à vida da população que se pretende alocar, como escolas, postos de saúde e praças.

Como funcionário da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, Emplasa, coordenei os estudos de Centralidades e Desenvolvimento Urbano – necessários à elaboração dos Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado — PDUIs (que são uma exigência do Estatuto da Metrópole). Nesse trabalho identificamos que nas Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas paulistas, os dois maiores fatores de desequilíbrio e precariedade na ocupação do território são: a expansão desenfreada da mancha urbana sobre a área rural e a concentração das atividades em uma centralidade.

O desafio presente do planejamento territorial é, portanto, definir novas áreas no território urbanizado das grandes cidades onde seja possível e benéfico desenvolver novas centralidades, ou seja, estabelecer novos focos de emprego, serviços e infraestrutura. Essas novas centralidades, quando implementadas, irão possibilitar aproximar da moradia, o emprego, os serviços e o lazer. Uma cidade compacta e policêntrica desmonta a concentração que fragiliza o tecido urbano e afasta uma parcela significativa da população dos benefícios da vida nas cidades.

No caso da Região Metropolitana de São Paulo a proposta de desenvolvimento de novas centralidades está vinculada a ampliação do sistema de transporte público de forma a compor um sistema em rede, conforme demonstra o mapa abaixo. que foi elaborado para PDUI.

Com a viabilização de novas centralidades, se reverte o crescimento da anticidade, ou seja, a segregação do território por classes socias. Os moradores que possuem mais recursos financeiros e que se concentram em ‘guetos’ no entorno de onde é produzida a riqueza, jogando os demais moradores da cidade na periferia, colocando-os à margem do desenvolvimento econômico e da geração de renda.

Definitivamente, é preciso que o poder público estabeleça incentivos fiscais, construa equipamentos de infraestrutura e leve acessibilidade, por meio do transporte coletivo, para outras parcelas do território urbano. Especialmente em locais delimitados e estratégicamente identificados para que possam atrair investimentos também da iniciativa privada e, assim, formar novas centralidades. Além de socialmente mais justo, resulta mais econômico reestruturar o atual tecido urbano distorcido, do que continuar alimentando sua formação monocêntrica.

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