Quando o mundo inteiro assistiu chocado no dia 15 de abril deste ano a tragédia que acometeu o monumento histórico mais visitado da Europa, ainda não se sabia ao certo se a Catedral sobreviveria, quais seriam os danos provocados pelo aquecimento de sua estrutura em pedras calcárias e pela grande quantidade de água empregada para extinguir o fogo. Ao mesmo tempo em que cenas do edifício em chamas eram divulgadas ao vivo em rede mundial, diversas personalidades, comovidas com aquela cena dantesca, se comprometeram a doar muito mais dinheiro do que o necessário para qualquer tipo de intervenção que pretenda restituir o seu esplendor na paisagem urbana parisiense.
Claro que havendo dinheiro disponível tudo se torna mais fácil, mas isso só não basta. Fundamental após um acidente como esse é formar uma equipe de especialistas no assunto para discutir possibilidades, diagnosticar os danos e tomar decisões assertivas de procedimentos de restauro, com o objetivo de não prejudicar a integridade do monumento para sempre.
Decidir como intervir em casos como esse não é tarefa simples. É preciso ter cautela e tempo para observar atentamente o edifício, já que nem todos os efeitos dessa tragédia estão visíveis, e apontar quais as possibilidades de reconstrução e restauro. Sendo assim, divulgar que a Catedral de Notre-Dame estará recuperada em cinco anos é ato irresponsável, que poderá prejudicar a sua preservação de maneira irreversível.
Ainda sem haver uma avaliação do estado de conservação desse patrimônio mundial da UNESCO, foi anunciado pelo primeiro-ministro Édouard Philippe um concurso internacional, que agitou escritórios de arquitetura do mundo inteiro. Começaram então a ser divulgadas propostas ousadas, a maioria delas alterando por completo a antiga cobertura.
Contradizendo a decisão anterior do concurso, na semana passada o Senado Francês aprovou um projeto de lei que determina a reconstrução fiel das partes destruídas durante o incêndio, aceitando o uso de materiais diferentes ao original, contanto que a sua escolha seja justificada.
Recebida essa nova notícia surgiu uma nova discussão: seria essa a melhor solução para a Catedral parisiense?
Voltando ao início do século XX encontramos em Veneza um amplo debate sobre o tema da reconstrução de monumentos destruídos. O campanário localizado da Praça de San Marco entrou em colapso e foi transformado numa pilha de escombros. A decisão final foi de reconstruí-la “Como era, onde estava”, empregando técnicas tradicionais e modernas, objetivando a sua estabilidade e buscando deixá-la com aparência o mais próximo possível daquela anterior ao desastre.
Após a Segunda Guerra Mundial algumas áreas devastadas pelas ações bélicas foram reconstruídas, na intenção de recuperar a antiga composição da paisagem urbana, como exemplo podemos citar o centro de Varsóvia. Em alguns edifícios, como a Igreja Memorial Kaiser Wilhelm em Berlim, optou-se por deixá-los em ruínas, erguendo ao lado uma nova construção.
No caso da Catedral de Notre-Dame a reconstrução dos elementos perdidos exatamente como eram torna-se possível a partir dos desenhos existentes, realizados por exemplo pelas mãos de Viollet-le-Duc no século XIX e digitalmente com tecnologia Laser Scanner 3D, como aqueles produzidos pelo professor Andrew Tallon.
Mas mesmo sendo permitido reconstruir o que foi destruído, isso deve ou não ser feito?
A decisão final, que sempre causará polêmica, não poderá de forma alguma ser ato arbitrário. O tema deve ser profundamente discutido por especialistas da área, para que o momento em que vivemos torne-se uma referência na história do restauro de nossa herança cultural.